segunda-feira, 26 de dezembro de 2016


Capricórnio, imagem de um animal fantástico na numismática romana.

Na mitologia romana, um animal híbrida meio bode, meio peixe que segundo Caio Juno Higino, na realidade o Capricórnio é Pan.
Para este autor, os deuses por causa do terror que lhes inspirou o gigante Typhon, transformaram-se em diversos tipos de animais.
(C.J.Higino: escritor da Roma Antiga, seria natural da Península Ibérica, talvez Valência dos Edetamos “Valência Edetanorum”, Hispânia, por cerca do ano 64 a.C., e faleceu em Roma no ano 17a. C..)

Pan foi o último a adotar esta solução e, ao mergulhar no rio, tomou a forma de um animal estranho híbrido, com cabeça e tronco de cabra e cauda de peixe.

Augusto-Áureo cunhado em Pérgamo no ano 19 a.C.
Anv. Augusto à direita, AVGVSTVS
Rev. Capricórnio à direita,
SIGNIS RECEPTIS
(Ref. RIC-521, BMC-680, Calicó-272, Giard-1011 (Paris)

Devido a esta metamorfose talentuosa, Júpiter colocou-o entre as estrelas.  
Foi por esta razão que Aratus lhe chamou Aegipan (Egipan).

(Aratus: Arato de Solos, poeta grego da corte do rei Antígono Dóson rei da Macedónia, século III a. C..)

(Aegipan: Egipan, divindade mitológica campestre, meio homem, meio animal, aparece quase sempre dotado de pés e orelhas de cabra: era associado ao deus Pan.)

Augusto-Denário cunhado em Lião no ano 12 a. C.
Anv. Augusto à direita, DIVI AVGVSTVS
Rev. Capricórnio e globo, IMP XI
(Ref. RIC-174,I, BMC-465)

Este tipo de Capricórnio aparece com muita frequência em moedas do imperador Augusto, com legenda  latina ou grega.

Segundo Suetónio, a razão da presença do Capricórnio nas moedas do imperador é a seguinte:
Aquando do seu retiro em Apolónia, Augusto acompanhado por Agripa terão subido até ao observatório do adivinho Teógenes.

Este prediu a Agripa uma prosperidade maravilhosa. Augusto temendo alguma mau predição, recusou divulgar o dia do seu nascimento.

Depois de muito hesitar e a pedido de Agripa, Augusto deu a data de nascimento ao bruxo e, qual não foi o seu espanto quando este se levantou e prosternou-se aos seus pés!

Augusto-Cistóforo de prata cunhado em Efeso cerca de 25-20 a.C.
Anv. Augusto à direita, IMP CAESAR
Rev. Capricórnio e cornucópia no interior de uma coroa de louro, AVGVSTVS
(Ref. RIC-480(c), Cohen-16)
(Este cistóforo com a valia de 3 denários, foi cunhado para circular na Ásia Menor.)

A partir daí, Augusto teve tanta confiança no seu destino que publicou o seu horóscopo e, mandou cunhar moedas com o seu símbolo: o Capricórnio.
(Suetónio: vidas dos doze Césares, Augusto 94.)

Outros testemunhos de autores antigos, também atestam que Augusto nasceu realmente sob o signo do Capricórnio e, que o imperador era particularmente supersticioso.
Na sua numária, além do Capricórnio, vemos muitas vezes representações de cornucópias, uma estrela, um leme ou um navio.

Augusto-Denário-cunhado provavelmente na Gália) no ano 27 a.C. a.C.
Anv. Augusto à direita
Rev. Capricórnio e uma estrela,   AVGVSTVS
(Ref. RIC-542)

Este símbolo também é visível em moedas dos imperadores Vespasiano, Tito, Domiciano e, em raras moedas  de Adriano e Antonino Pio.
Alguns bronzes de Domiciano com a legenda AVGVSTVS IMP XX, apresentam este símbolo acompanhado de uma cornucópia.

O globo como símbolo do mundo, apareceu nas moedas romanas no ano 742 (=11 anos d.C.), visível em moedas de Augusto entre as pernas do Capricónio.

Augusto-Denário cunhado em Colônia Patrícia (Espanha) 18-16 a.C.
Anv. Augusto à direita
Rev. Capricórnio, cornucópia e globo, AVGVSTVS
(Ref. RIC-126, Cohen-21)

Cunho monetário de Augusto

Vespasiano-Denário cunhado em Roma cerca de 79 d.C.
Anv. Vespasiano laureado à direita,
IMP CAES VESPASIANVS S AVG
Rev. Capricórnio e globo,
TR POT X COS VIIII
(Ref. RIC-118c, Cohen-554)

Vespasiano-Denário cunhado em Roma 80-81
Anv. Vespasiano laureado à direita,
DIVVS AVGVSTVS VESPASIANVS
Rev. Dois Capricórnios sustentando um escudo com a inscrição S C, um globo por baixo do escudo, .
(Ref. (RIC 2-19, RSC-280)

Este tipo de reverso que também aparece em raras moedas de Tito, é uma marca da felicidade do Império Romano, que sob estes dois príncipes, pai e filho, era forte como na época de Augusto.

Tito-Denário cunhado em Roma 79-81
Anv. Tito laureado à esquerda,
IMP TITVS CAES VESPASIAN AVG PM
Rev. Capricórnio e globo,
TRP VIIII IMP XV COS VII PP
( Ref. RIC-37, RSC-294, BMC-235)

Capricórnios, também são visíveis em moedas dos imperadores Galiano e Caráusio, como símbolo de algumas legiões.

Galiano-(Antoniniano cunhado em Milão no ano 258
Anv. Galiano com coroa radiada à direita,
GALIENVS AVG
Rev. Capricórnio, LEGI ITAL VI P VI F
(Ref. RIC V-1 Milão 315, Gobl-0982, Sear-102549)

Caurásio-Antoniniano cunhado em Londres 287-293
Anv. Caráusio com coroa radiada à direita,
IMP CARAVSIVS PF AVG
Rev. Capricórnio, LEG II AVG ML
(Ref. RIC-58,9)

Este animal estranho, meio bode, meio peixe, décimo signo do Zodíaco e, um dos quatro pontos cardinais (sul) existe, mas apenas na imaginação dos homens.

MGeada

Bibliografia
 
Philipe Bodet: le Capricorne, Symbole Parlant sur les Monnaies Romaines.
Daremberg et Saglio : Le Dictionnaire des Antiquites Grecques et Romaines.
Frédéric Weber : Catalogue des Monnaies de L’Empire Romain.
Michel Prieur : Les Monnaies Romaines-Setembro 2004.
George Depeyrot : Monnaies Romaines : Histoire et Vie D’un Empire-dezembro 2014.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016



Nossa Senhora da Conceição
Moeda mandada cunhar por D. João IV por decreto-lei de 25 de março de 1646

Padroeira de “Alcains” e de Portugal, Conceição foi o nome que D. João IV deu à moeda que mandou cunhar para comemorar a adoção que fizera de Nossa Senhora da Conceição para padroeira do Reino de Portugal nas cortes celebradas em Lisboa no ano 1646.

No dia 25 de março de 1646, dia de Ramos, perante a Corte e representantes do Reino e cinco bispos reunidos na Capela Real dos Paços da Ribeira, realizou-se esta solene cerimónia de juramento.
Pedro Vieira da Silva leu em voz alta o texto e, por fim a fórmula de juramento que o rei ajoelhado diante do altar foi repetindo.
O mesmo fizeram o príncipe. os grandes representantes do povo e os bispos presentes.
O ato terminou com o solene Te Deum. 

O Rei prometeu à Senhora da Conceição em seu nome e dos seus sucessores, um tributo anual de 50 cruzados de ouro e,  ordenou que os estudantes da Universidade de Coimbra, antes de tomarem algum grau de instrução , jurassem defender a Imaculada Conceição. 

D. João IV não foi o primeiro rei português a colocar o reino sob a sua proteção, apenas decretou que fosse permanente, uma devoção a que os nossos reis recorreram muitas vezes em momentos críticos  para Portugal.

D. João I escreveu nas portas da capital elogios à Virgem e, em 1386, mandou construir o Convento da Batalha (Mosteiro de Santa Maria da Vitória, conhecido por Mosteiro da Batalha). enquanto o seu intrépido companheiro de armas D. Nuno Álvares Pereira no ano 1389 em Lisboa, erigiu à virgem, o Convento do Carmo.

Foi por decreto-lei de  25 de Maio de 1646, que Nossa Senhora da Conceição foi escolhida para padroeira do Reino de Portugal.

Para comemorar este evento, cunharam-se medalhas de ouro de 22 quilates, com o peso de 12 oitavas (1 oitava=3,600 gr) e outras de prata com o peso de uma onça (=28,800gr.) que por lei foram admitidas como moedas correntes.


D. João IV-Conceição, ouro 12 000 réis, cunhada em 1648


D. João IV-Conceição, prata 600 réis, cunhada em 1648

Descrição das moedas

Anv. as armas do Reino coroadas assentes sobre a Cruz de Cristo,
JOANNES IIII, D.G PORTUGALIAE ET ALGARBIAE REX
(João IV pela Graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves)
Rev. Ao centro a Imagem de Nossa senhora da Conceição, aureolada com um conjunto de 7 estrelas, em pé sobre um globo, em volta do qual se enrola uma serpente, tendo por baixo, a data.
Dos lados veêm-se, à esquerda, o Sol, Templo, e Horto (ou Cerrado). À direita, o Espelho, a Arca do Santuário e a Fonte Selada
REGNI TVTELARIS
(Padroeira do Reino)

No ano 1946, para comemorar o terceiro centenário  da proclamação de Nossa Senhora da Conceição como padroeira de Portugal, foi feita uma recunhagem tendo sido introduzido no reverso um elemento novo: as datas de 1646 e 1946 entre os braços da cruz.
Fizeram-se três emissões: em ouro, prata, e cobre.
Estas medalhas têm um módulo de 42mm, e um peso de 80 gr. as de ouro, em prata 41,8 gr., as de cobre 37,2 gr, .


República-Recunhagem de 1946

Simbologia da Conceição




Coroa a imagem da Virgem, um conjunto de 7 estrelas.

O número 7 é o número da vida, da união de Deus com a matéria. (3+4) = as três pessoas da Santíssima Trindade e os quatros elementos da natureza: água, terra, fogo, ar.
Significados que fazem referência  à missão da Virgem Maria.
Com efeito, por Ela vem a vida, e Ela própria é a manifestação da união de Deus com a matéria, (a natureza).

Por outro lado o número 7 indica os graus da iniciação Mariana, traduzida pelas 7 dores da Virgem.
A Virgem  significa a possibilidade criadora e regeneradora. É a Natura (Natureza), aquela que haveria de nascer (pois sem Ela, Cristo não poderia encarnar) e dar nascimento.

De mãos postas indica a alquimia divina de Ora et Labora (reza e trabalha), tão bem aproveitada pela Ordem Dominicana.
Olha para a direita, para o lado favorável, do Bem, da Divindade. Está em pé, que significa manter-se.


Os seus pés pisam a Lua, o símbolo por excelência da mulher, desde os tempos Neolíticos. 
A Lua assenta sobre o mundo rodeado pela serpente, cujo corpo dá um nó.
A serpente foi identificada ao dragão, simbolizando biblicamente o mal. Mas aqui a Virgem não pisa a sua cabeça. Tal facto referencia outros sentidos.

A serpente designa o Ouroboros, símbolo da lei do eterno retorno, de tudo aquilo que está em constante recriação.
É a lei da natureza física; por isso aparece enrolada no globo, que representa a esfera terreste.

(Ouroboros: Figura mitológica, geralmente faz referência à criação do universo e, pode simbolizar a contunuidade, o eterno retorno, o renascimento da terra etc, ).

A serpente é também o símbolo das iniciações maiores e do caminho para as conseguir.
Ao pisar a cabeça da serpente, a Virgem quebrou a Lei do Eterno Retorno para transformar o círculo em espiral.

No entanto, nesta moeda, a Virgem não pisa a serpente, a Lua separa a Virgem do mundo; a iniciação superior, da inferior, o espírito da matéria.
Nesta moeda a serpente é o símbolo da Imaculada Conceição, alusivo à redenção do pecado original operado em Maria por especial previlégio na sua concepção.

Rodeiam a figura da Virgem seis figurações, que correspondem a invocações de ladainhas da Virgem. Não existe uma relação simples; com efeito, alguns dos símbolos utilizados podem referir-se a várias invocações.


O Sol, designa a Divindade e a Criação (Santa Mãe de Deus; Mãe do Criador).

O Espelho, designa o espelho da justiça. Na concepção tradicional a mulher simbolizada pela Lua, é o espelho do Sol.


O Templo, é a sede da sabedoria. A Virgem Maria representa a visibilidade do Feminino Divino. 


A Arca de Noé, significa a Arca da Aliança. A Virgem exprime o momento da aliança real de Deus com o Homem, a matéria, a natureza. (Segundo a Bíblia, a Arca de Noé conservou a natureza).


O Horto (ou Cerrado), é o refugio dos Pecadores. Neste jardim fechado símbolo do Éden, os pecadores encontram o seu estado primeiro, quando o homem vivia em  armonia total com Deus.


A Fonte, é a saúde dos doentes. Repete-se com as devidas variações o sentido anterior. 

O número seis (referência a estas seis simbologias) indica sucessivamente a união do Criador com a Criatura. A harmonia dos opostos através de um eixo central (a própria Virgem), o Coração, a Beleza, a Vida, o Sol. 
Relaciona-se com a diversificação, a multiplicação, a reintegração, “tudo funções afirmadas pela ladainha da Virgem”.

A moeda coloca deste modo, o conhecimento das duas iniciações. O Reino (de Portugal) só poderá ser tutelado pela iniciação superior e não pela iniciação inferior.
Por esta, estará sujeita a todas as eventualidades históricas, normalmente adversas; por aquela, surge a garantia de vencer as incertezas terrestes.


350 ̊ Aniversário da Proclamação de N.S. da Conceição Padroeira de Portugal
1 000$00 prata cunhada em 1996.

Anv. Campo preenchido por um manto estilizado, sobreponde-se ao centro o escudo das armas nacionais, orlado na parte superior pela legenda República Portuguesa, e na orla inferior pelo valor facial 1000$00.

Rev. Ao centro a imagem da Senhora da Conceição de corpo inteiro com o menino ao colo, coberta com um manto, devidamente coroados, assentes numa meia lua, com diversas coroas a comporem parte do campo, orlados com a legenda  N. S. DA CONCEIÇÃO PADROEIRA  DE PORTUGAL

MGeada

Bibliografia

José Valério; Moedas Comemorativas Portuguesas, edição do autor, 2010.
Alberto Gomes ; Moedas Portuguesas e do Território Português Antes da Fundação da Nacionalidade.
António Miguel Trigueiros: A Conceição, Moeda, Medalha e Venera da Padroeira do Reino-Lisboa, 8 de dezembro de 2008-8 de maio de 2014.
Salgado; Javier Sáez- História da Moeda em Portugal, 2002.
http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/13591.pdf      

terça-feira, 25 de outubro de 2016










Estádio de Domiciano
(Atual Piazza Navona)

Situado no Campo de Marte, aparece num áureo de Septímio Severo (193-211).
A moeda mostra-nos, em simultâneo, a fachada com as portas de entrada e as arcadas.
Supõe-se que a fila superior devia conter as estátuas alusivas às competições atléticas que ali se realizavam.
É o único estádio com tão grande dimensão construído fora da Grécia e do mundo oriental. Ao invés dos gregos, os romanos não eram apreciadores de competições atléticas, e além disso, as competições podiam ser feitas em circos ou estádios desmontáveis.
Porém, os imperadores romanos não deixaram de organizar estas competições, até era usual para ganharem as boas graças do povo, inventar novos jogos tais como o CERTAMEM CAPITO- LINI   IOVI  (O  Jogo  de  Júpiter  Capitolin )  de   Domiciano,
(Competição musical equestre e atlética) organizada todos os quatro anos.
Foi para estes jogos que o imperador Domiciano mandou construir um grande estádio, idêntico aos estádios gregos; tinha 225 m de comprimento, mas as técnicas arquitecturais são romanas.
Construído na parte ocidental do Campo de Marte, ao lado das termas de Nero e dos banhos de Agripa, a sua dimensão é pequena, se a comparar-mos com a do circo grande, que tinha   620 m.

Ficou célebre pela qualidade das suas instalações. A fachada exterior era ornamentada com uma dupla série de arcadas, tinha um cenário móvel, várias entradas e um sumptuoso estrado destinado ao imperador e às entidades religiosas.

Para além das competições clássicas:
QVADRIGARVM (Corrida de carro),
LVCTA (Luta),
DISCVS (Lançamento do disco),
SALIENDI (Concurso de salto),
JACVLI (lançamento do dardo),
também havia uma competição entre jovens raparigas.

A maior parte dos atletas eram gregos. O prémio dos vencedores era uma coroa de folhas de loureiro, e de folhas de oliveira, àrvores consagradas a Marte e a Júpiter.
O estádio de Domiciano é conhecido pela sua longevidade.
       
No ano 217, no reinado de Macrino, por causa de um incêndio que o devastou, o estádio teve algumas reparações para receber os jogos dos gladiadores, mas foi Alexandre Severo que terminou a sua restauração.
A moeda aqui reproduzida comemora esse evento.

Septímio Severo-Áureo cunhado em Roma em 206
Anv. S. Severo laureado à direita,  SEVERVS PIVS  AVG
Rev. Vista aérea do Estádio de Domiciano com 9 pessoas: 1 praticando atletismo, 2 pugilistas que se afrontam, 3 vestidos com a toga, o da direita coroando o do meio, 2 praticando a luta e o imperador sentado. P P COS III
(Ref. RIC-260, BMCRE-319,pl. 35. 4, Cohen-571, Calico-2518)
(Este  raríssimo áureo de Septímio Severo, são as únicas moedas que representam este estádio).
       
Em meados do século IV, depois do advento do Cristianismo e a abolição dos jogos sangrentos, o estádio ainda era usado para competições atléticas.


MGeada

Bibliografia
Brigitte Hintzen-Bolen, Art et Arquitecture: Rome.
Coarelli Fillipo ; Guia Arqueológico de Roma-Roma 1980.
Marcel le Gay, Jean-Louis Voisin, Yvan le Nohec ; Histoire de Rome dans L’Antiquite.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016


O Mito do rapto das Sabinas

Após a fundação da cidade de Roma, a principal peocupação de Rómulo foi povoá-la ; para isso, transformou a cidade num asilo.
Desde então todos os fora da lei da Itália, os banidos, assassinos, e escravos fugitivos encontraram ali refúgio.
Mas, grave problema; a nova cidade carecia de mulheres.
 
Consciente do problema, Rómulo preocupou-se com a sua povoação, e iniciou alguns contatos com as cidades e povos vizinhos, enviando embaixadores para aceitarem a sua aliança e consentirem alguns casamentos entre os dois povos.

Temendo a concorrência duma sociedade rival, as aspirações de Rómulo não tiveram o sucesso esperado. Depois de várias negociaçães  sem sucesso, os romanos decidiram recorrer à astúcia e força. 

Rómulo decidiu então organizar as Ludi Consuales, (Consuálias),  festival  da Roma Antiga celebrado em honra do deus Conso, uma das mais antigas divindades agrárias romanas, que além da festa religiosa também incluía jogos, representações teatrais e corridas de cavalos e mulas).

Convidou então os habitantes das cidades vizinhas : sabinos, ceninenses, crustumerinos, antemnos e outros,  que motivados pela  curiosidade de ver a nova cidade, aderiram em grande número.

Durante o festival, Rómulo deu o sinal combinado aos seus homens indicando que era o momento oportuno de passar ao ato, e estes sequestraram todas as raparigas em idade de casar, assim como as esposas dos seus hóspedes e expulsaram os homens.

O Rapto das Sabinas, Nicolas Poussin, 1637-1638
Museu do Louvre, Paris

Rómulo suplicou as mulheres sequestradas a aceitar os romanos como esposos.
Tratou-as sempre bem, e além de lhes conceder a livre escolha do esposo, também lhes prometeu direitos cívicos e de propriedade.

Falou individualmente com  cada uma, e fez-lhes compreender que a violência  foi originada pelo orgulho dos seus pais e esposos, e à sua recusa de aliar-se por casamentos a um povo vizinho.

É como esposas que ireis compartilhar com os romanos a sua existência, a fortuna, a sua pátria e, unir-vos  com eles pelo enlace que pode aproximar os mortais, tornando-vos as mães dos seus filhos.

As sabinas viveram  felizes  com os romanos,  compartilharam os bens e direitos cívicos dos seus esposos e,  desejo comum a todos os seres humanos, foram mães de homens  e mulheres livres.

A Guerra   

Furiosas pela ultraje dos romanos, as cidades vizinhas decidiram declarar guerra aos romanos e formaram uma coalizão liderada por Titus Tatius (TitoTácio), rei dos sabinos.

O conflito começou por ser favorável a Rómulo e ao seu exército, que numa primeira fase derrotaram os Ceninenses  e mataram o rei. Em seguida venceu os Crustumerinos  e os  Antemnos.
Todavia Rómulo recebeu os povos vencidos na sua cidade, o que permitiu aumentar a população de Roma e ao mesmo tempo reunir as famílias.

Os sabinos e a traição de Tarpeia

Liderados por Tito Tácio os sabinos também entraram em guerra contra Roma, e quase conseguiram conquistar a cidade  devido à traição de Tarpeia, uma Vestale filha de Espúrio Tarpeia governador do Capitólio.

Ao vê-la adornada com jóias, Tácio compreendeu a sua paixão e prometeu-lhe todas as jóias que ela quizesse, se os ajudasse a penetrar na cidadela .
A Vestale  pediu colares de ouro, pedras preciosas, e braceletes  que os sabinos usavam no braço esquerdo, que ela acreditava serem de ouro.

Tácio aceitou a proposta e, à noite quando Tarpeia abriu as portas da cidade (segundo uma das muitas a lenda), Tácio atirou-lhe não só o bracelete de ouro como o escudo.
Como todos os soldados fizeram o mesmo, Tarpéia morreu sob o impacto dos braceletes e enterrada pelos escudos, e para completar o preço da traição, atiraram-na do cimo dum rochedo que ainda hoje é conhecido por Rocha ou Rochedo Tarpeia.

 (Segundo uma versão de Plutarco, Tarpeia seria filha de Tito Tácio, que forçada a viver com Rómulo traíu os romanos por ordem do pai).

LVCIVS TITVRIVS SABINVS, (monetário)
Denário cunhado em Roma em 89 a.C..
Anv. Busto de Titus Tatius (Tito Tácio) à direita,  SABIN.
Rev. Uma Vitória coroando e conduzindo uma biga, L TITVRI

LVCIVS TITVRIVS SABINVS (monetário)
Denário cunhado em Roma em 89 a.C..
Anv. Busto de Titus Tatius à direita,  SABIN.
Rev.Cena ilustrando o Rapto das Sabinas.

LVCIVS TITVRIVS SABINVS (monetário)
Denário cunhado em Roma em 89 a.C..
Anv. Busto de Titus Tatius à direita,  SABIN.
Rev.Tarpéia entre dois soldados sabinos
com escudos aos seus pés,  TITVRI.

Augusto-denário cunhado em Roma em 19/18 a.C..
Anv. Busto de Augusto à direita,
CAES AVGVSTVS.
Rev. Tarpéia enterrada nos escudos até à cinta.
T VRPILIANVS III VIR.

Rocha Tarpeia

Inversão da situação

Rómulo e os romanos reagiram de imediato e comandados por Hostus Hostilius lançaram-se na batalha.
Quando o chefe romano Hostus morreu sob os golpes do adversário, as linhas romanas cederam e recuaram. 

Como a derrota ameaçava, o que seria um desastre, Rómulo implorou Júpiter, tratou-o com um novo nome (Júpiter Ferétrio) e prometeu erigir-lhe um templo no sítio exato onde ele invertesse a tendência da batalha.
A sua súlpica foi ouvida pelo pai dos deuses e os romanos cessaram de recuar.

Foi então que as sabinas por tanto sofrerem com esta guerra  onde combatem os seus pais, irmãos, tios, contra os seus esposos e pais dos seus filhos que nasceram após o seu sequestro, interviram lançando-se no meio da batalha para reconciliar os os dois exércitos.

Intervenção das Sabinas-Jacques-Louis David-1799
Museu do Louvre Paris.

Perante o massacre e para salvar aqueles que amam nos dois campos adversos, as sabinas ao perigo das suas vidas interpuzeram-se com os seus filhos no meio da luta, para que cessassem o combate ao mesmo tempo que diziam.
Se estão cansados destes laços de paternidade, destas obrigações matrimoniais, então voltem a vossa cólera contra nós.
Somos nós a causa desta guerra, somós nós que temos matado e ferido nossos maridos e pais.
Para nós é preferível morrer que viver sem um ou outro, como viúvas ou orfãos. 

Templo de Júpiter Ferétrio
Marcus Claudius Marcellinus cerca de 268-208 a.C..
Denário cunhado em Roma, por cerca de 222 a.C..
Anv. Busto de M. C. Marcellinus à direita,
MARCELILINVS e Tríscele (ou Triskelion)
Rev. M. C. Marcellinus com um troféu e vestido com a toga,
a subir as escadas do templo
MARCELLVS COS QVINT (Consul pela quinta vez)

Reinado de Rómulo e Titus Talius (Tito Tácio)

Após a reconciliação, os sabinos aceitaram formar uma só nação com os romanos, passaram a viver no Capitólio, e Tácio dirigiu Roma conjuntamente com Rómulo até à sua morte, (cinco anos mais tarde).

Acompanhado pelos Céléres (os trezentos cavaleiros da guarda de Rómulo) Rómulo ainda passou muitos anos a lutar contra os vizinhos etruscos das cidades de Veios (Veii ou Veius)  e Fidenas (Fidenae), antes de os obrigar a fazer as pazes com Roma, em troca de alguns territórios.

MGeada

Bibliografia


Alexandre Grandazzi; La fondation de Rome, 1991, Les Belles lettres (réédition 1997).
Babelon ; Description Des Monnaies de la Republique Romaine, 3 volumes, 1979.
Antiquités romaines, livre I, 74-75.
Ernest Babelon ; Description Historique Et Chronologique Des Monnaies de La republique Romaine, abril 2013, réédition de 1885.
Grinaldi, Pierre ; Les Villes Romaines, 1990.
Durando, Furio ; Itália Antiga. Grandes Civilizações do Passado, 2006.
Laure Orvieto; Contes et Légendes de la naissance de Rome.
Massimo Pallottino ; Origini e storia primitiva di Roma, Milano, pag. 123 et pp. 130-131.
Naissance de Rome ; Catalogue d’exposition au Petit Palais, 1997, préfacé d’articles sur l’archéologie romaine.
Tive-Live ; Ab urbe condita, 1.9-13
Tive-Live ; Histoire de Romaine, 1,4.
Tive-Live ; La Fondation de Rome, Flammarion, abril 1999.

Pline L’Ancien ; Histoire naturelle, III,69.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016


RÓMULO E REMO
O mito das origens de Roma na numismática

Segundo a lenda Rómulo fundou Roma no ano 753ª.C..

Antes de iniciar este trabalho sobre as representações de Rómulo e Remo na numária romana, lembro que muitos autores antigos (por vezes com versões diferentes) evocaram Rómulo e Remo: Virgílio, Cícero, Propércio, Ovídio, Plínio o Antigo, Tive-Live e outros.

É através da literatura principalmente histórica e poética destes autores que conhecemos alguns pormenores sobre a fundação da Cidade Eterna.
É uma das muitas lendas que me proponho divulgar neste estudo.

Uma dessas lendas (talvez a mais célebre) sobre as origens de Roma, foi escrita por Tive-Live (59 a.C.-17d.D.).
Na sua (Ab Urve Condita) História de Roma desde a sua fundação, tudo terá começado por uma ursupação na família real de Alba Longa, em que Numitor foi destronado pelo irmão Amúlio e obrigou a sobrinha Reia Sílvia a servir como Vestale, obrigando-a assim à castidade para que não pudesse ter filhos. “Futuros pretendentes ao trono”.

(Sacerdotisas da deusa romana Vesta; as Vestais deviam conservar o fogo sagrado sempre  aceso. Eram seis e escolhidas entre jovens patrícias, filhas de pais livres.
Gozavam de privilégios especiais mas, se alguma violasse o voto de castidade era sepultada viva no Campo Scelerato).

No entanto segundo a versão de Tive-Live, depois de ser violada pelo deus Marte, Reia Sílvia deu à luz dois gémeos: Rómulo e Remo.


Antonio Pio-Asse cunhado em Roma, 140-144
Anv. Busto de Antonino laureado à direita,
ANTONINVS AVG PIVS PP.
Rev. Marte com capacete lança e escudo, descendo do céu
ao encontro da virgem Vestale Reia Sílvia (adormecida),
TR POT COS  III.

Depois deste miraculoso nascimento, o tio mandou prender a sobrinha e deu ordem aos seus servos para afogarem as crianças no rio Tibre.
Estes não executaram a ordem recebida, meteram as crinças numa cesta que lançaram ao rio e terá encalhado junto ao Monte Palatino.


Domiciano-Denário cunhado em Roma, 81-96
Anv. Busto de Domiciano laureado à direita,
CAEA AVG F DOMITIANVS (legenda invertida).
Rev. Loba à esquerda a amamentar Rómulo e Remo,
e cesta na qual as crianças foram metidas no rio Tibre,
COS V (quinto ano de consulado).

Uma loba que por ali passou e ouviu as crianças a chorar, decidiu levá-las e amamentá-las como se fossem seus filhos.
Mais tarde foram encontrados por um casal de pastores: Fáustulo e a esposa Aca Larência.
Segundo Tive Live, Aca Laurência era prostituta, também conhecida por Lupa a (cortesã).
Os pastores alcunharam-na de “Loba”.
Será esta a origem da lenda que diz Rómulo e Remo serem amamentados por uma loba?


Antonino Pio-Denário cunhado em Roma, 140-144
Anv. Busto de Antonino Pio laureado à direita,
ANTONINVS AVG PIVS PP.
Rev. Loba no Lupercal (uma gruta no Monte Palatino)
a amamentar Rómulo e Remo,
TR POT COS III.


Antonino Pio-Sestércio cunhado em Roma, 140-144
Anv. Busto de Antonino Pio laureado à direita,
ANTONINVS AVG PIVS PP TR P.
Rev. Loba no Lupercal a amamentar Rómulo e Remo,
COS III SC.


Antonino Pio-Centenionalis cunhado em Roma, 140-141
Anv. Busto de Roma com capacete e drapeada à direita,
URBS ROMA.
Rev. Fáustulo e Aca Larência encontram a loba e os gémeos no Lupercal.

(O termo feminino urbs, é uma palavra latina que na antiguidade designava uma vila.
Não confundir com “polis” que designava uma cidade e os territórios contíguos.
Quando escrito com letra maiúscula URBS, designa a vila entre todas as vilas: Roma).

Aquando adultos, Rómulo e Remo decidiram fundar uma cidade,  mas  como gémeos interrogavam-se qual o nome que lhe iriam dar: Rómulo ou Remo?
Como não encontravam um acordo, decidiram que seriam os deuses a escolher.

Nesse momento Remo viu seis abrutes que segundo ele era o sinal esperado.
Rómulo viu doze, sinal mais forte que indica que a nova cidade deve ter o seu nome.
Remo não concordou e saltou por cima da muralha ainda em construção: ultraje que o irmão não apreciou e matou-o.

Finalmente a cidade tomará o nome abreviado de Rómulo: “ROMA”.

Esta versão da história sobre as origens de Roma, é provavelmente a mais célebre.
Outras com bastantes variantes e incertezas existem.

Ovídio nos Fastes escreveu mais ou menos a mesma história que Tive Live, adicionando mais alguns pormenores num dos quais diz, que um pica-pau também colaborou na alimentação dos gémeos ao mesmo tempo que a loba.

Virgílio também evoca o nascimento de Rómulo e Remo e o episódio da loba mas, mais abreviado.
Na sua versão o nome de Reia Sílvia é substituido por Ilia, descendente direta de Heitor.
(Na mitologia grega um príncipe troiano, e um dos maiores guerreiros de Troia).
Sem dúvida que queria por em evidência as origens troianas de Roma.

Sexto Aurélio Victor ca 320 - ca 390 a,C., (historiador e político do Império Romano) também menciona que um pica-pau voou ao encontro das crianças com o bico cheio de comida para os alimentar.
Isto explicaria segundo o mesmo autor, a razão  do lobo e o pica-pau estarem sob a proteção do Deus Marte.

O mito das origens de Roma tal como existe na literatura antiga não é muito credível, porque estes são lendas ou tradições, que procuram pelo meio de alegórias interpretar fenómenos inexplicáveis.
Esta lenda antes de entrar na literatura foi provavelmente uma narração oral: um modo de transmissão das tradições que provoca alterações na verdadeira história.

O mito dá uma explicação às coisas que não a têm, e por isso muitas vezes necessita a intervenção de elementos sobrenaturais.
Rómulo e Remo filhos de Marte, são “provavelmente” segundo Tive Live “certamente” segundo Virgílio) semideuses, que sobreviveram graças à intervenção dum animal selvagem: “a Loba” (por vezes acompanhada por um pica-pau alimentador).

Rómulo um herói dotado de qualidades sobrenaturais que liderou guerras contras alguns povos e cidades vizinhas, não desapareceu deste mundo como um simples mortal.
Segundo Tive Live, un dia em que Rómulo passava em revista o seu exército no Campo de Marte, rebentou uma violenta trovoada acompanhada por uma eclipse do sol, quando Rómulo foi envolvido por uma nuvem e desapareceu.

Felizmente o herói fundador de Roma não partiu sem deixar um rumo a seguir.
Passado pouco tempo um romano “Julius Proculus”, alegou que Rómulo lhe tinha aparecido em sonho, e revelou-lhe que tinha sido raptado pelos deuses.

Ele mesmo se tornou o Deus Quirino (un antigo deus que representava o Estado Romano).
Pediu que lhe erigissem um santuário no Monte Quirinal (uma das sete lendárias colinas de Roma) e deixou-lhe uma mensagem antes de desaparecer.

Vai e anuncia aos romanos a vontade dos deuses: a minha querida Roma será a capital do mundo.
Que a partir de agora eles se iniciem à arte militar, e façam saber aos seus descendentes que nenhuma força humana resistirá ao exército romano.

Não se podia esperar outra coisa do filho do deus da guerra (Marte).


Caio Mêmio-Denário cunhado em Roma em 56 a.C..
Anv. Rómulo laureado com barba e cabelo comprido,
MEMMI CF QVIRINVS.
Rev. Ceres sentada com um archote, três espigas e uma serpente aos seus pés,
MEMMIVS AED CERIALIA PREIMVS.

Já há muito tempo que os historiadores modernos se questionaram quais podiam ser os elementos históricos reais, do mito das origens de Roma.
O primeiro autor antigo a evocá-lo foi Fabius Pictor em 210 a.C., que relata eventos que supostamente ocorreram há mais de cinco séculos.
A data da sua fundação 753 a.C., foi arbitrariamente fixada por Varro no primeiro século a.C..

Na realidade não se conhece a data exata da implementação deste mito das origens de Roma.
Os arqueólogos datam dos séculos X e XI a.C., os primeiros túmulos de incineração encontrados em Roma, que não são mais que restos de cabanas.

Esta visão arqueológica e concebível, desmente o mito da fundação de Roma pelo herói sobrenatural: “Rómulo”.

Motivo da lenda das origens de Roma  representada na numismática romana?

O mito das origens que permite de se situar no tempo, e fazer a ligação com o passado e o futuro, é normal que motivasse algumas representações numismáticas.
Estas imagens são antigas e constantes na numária da República e Império Romano.
Um sestércio cunhado em 217-215 a.C., mostra a loba a amamentar Rómulo e Remo, enquanto cinco séculos mais tarde, o mesmo símbolo aparece numa moeda comemorativa cunhada no reinado de Constantino I, 306-337.


Sextante anónimo cunhado em Roma, 217-215 a.C..
Anv. Loba à direita a amamentar Rómulo e Remo,
dois glóbulos e três espigas.
Rev. Águia à direita com uma flor no bico, dois glóbulos, ROMA.

(Para alguns historiadores não é uma flor que a águia tem no bico, mas comida destinada a Rómulo e Remo; porque a águia é um dos atributos de Júpiter, que também terá ajudado a alimentar os gémeos).

Na maioria dos casos, o mito das origens de Roma, é representado por Rómulo e Remo a serem amamentados pele loba sem outros pormenores.
A loba só, também aparece com alguma frequência.

A questão que se põe é: representa a loba que amamentou Rómulo e Remo?
Ou uma referência à festa da Lupercália que era festejada todos os anos do 13 ao 15 de fevereiro?

Durante este festival os celebrantes reuniam no Lupercal, local onde segundo a lenda Rómulo e Remo foram aleitados pela loba.
(O nome da festa supõe-se derivar de lupus (lobo)).

Excepto alguns casos (raros) a cabeça da loba tal como descrita por Sexto Aurélio Victor e Tive Live, está sempre virada para os gémeos o que indica que se ocupa cuidadosamente deles.


P. Satrienvs-Denário cunhado em Roma 77 a.C..
Anv. cabeça de Marte com capacete à direita,  VTX.
Rev. Loba à esquerda,  ROMA P SATRIE NVS.


Trajano-Quadrante cunhado em Roma, 98-117
Anv. Busto de Trajano laureado à direita,
IMP CAES NERVA TRAIAN AVG.
Rev. Loba à esquerda,  SC.

O mito das origens também faz referência a sítios bem reais: além do Lupercal acima evocado, a Figueira Ruminal situada no Comitium, foi considerado como o lugar exato onde encalhou o berço com as crianças.
Esta árvore muito venerada, segundo Plínio o Antigo era sempre um mau presságio quando secava, por isso os sacerdotes apressavam-se a plantar outra.

A Figueira Ruminal aparece representada num denário de Sexto Pompeio Festo, cunhado no ano 137 a.C..
Na árvore venerada aparecem três pássaros, dos quais o do centro aparenta ser o pica-pau referenciado por Ovídio e Sexto Aurélio Victor.
Quanto aos outros dois, não se sabe exatamente o que eles representam.


Sexto Pompeio Festo-Denário cunhado em Roma, 137 a.C..
Anv. Busto de Roma com capacete à direita,  X
Rev. Pastor, loba a amamentar os gémeos e Figueira Ruminal com três pássaros,
SEX POMP FOSTLVS  ROMA.

Um denário anónimo cunhado em 115-114 a.C., também representa uma composição original onde figuram dois pássaros.
Aqui mais uma vez se desconhece a qual elemento exato, nem a qual versão do mito eles correspondem.
A originialidade desta moeda, é a presença duma alegória de Roma sentada num escudo que contempla Rómulo e Remo a serem amamentados pela loba que, “único fato conhecido é apresentada de costas.


Républica Romana-Denário anónimo Roma, 115-114 a.C..
Anv. Busto de Roma com capacete e colar à direita,  X ROMA.
Rev. Roma com um pau sentada num escudo,
loba “de costas” a amamentar os gémeos e dois pássaros.

O fundador da Cidade Eterna também é representado no reverso dum áureo de Alexandre  Severo, onde ele caminha com um passo decidido com um troféu no ombro e uma lança na mão, tal como seu pai Marte,  numa moeda do imperador Tito. 
Este mesmo tipo também aparece em moedas dos imperadores Antonino Pio e Adriano.


Alexandre Severo-Áureo cunhado em Roma, 230.
Anv. Busto de Alexandre Severo laureado e drapeado à direita.
IMP SEV ALE XAND AVG.
Rev. Rómulo com coroa radiada, vestido de militar com lança,
e troféu no ombro, caminhando para a direita.
P M  TR P  VIII COS IIIP P.


Tito-Sestércio cunhado em Roma, 73
Anv. Busto de Tito laureado à direita,
TI CAESAR VESPASIAN IMP III PON TR POT III COS III
Rev. Marte nu, com lança e troféu no ombro, caminhando para a direita,  SC.


Antonino Pio-Sestércio cunhado em Roma, 140-144.
Anv. COS III.Busto de Antonino laureado à direita,
ANTONINVS AVG PIVS PP TR P.
Rev. Rómulo vestido de militar com lança e troféu no ombro
caminhando para a direita,
ROMVLO AVGVSTO  SC.


Adriano-Denário cunhado em Roma, 134-138.
Anv. Busto de Adriano laureado à direita,
ADIANVS AVG  COS III PP.
Rev. Rómulo vestido de militar com lança e troféu no ombro,
caminhando para a direita,
ROMVLO CONDITORI  (Rómulo o fundador).

A imagem de Rómulo e Remo a serem alimentados pela loba também foi associada a temas tradicionais da numária romana.
Uma moeda de Panormos (Sicília), representa no anverso Jano, (um dos maiores e mais antigos deuses do Panteão Romano), e no reverso a cena clássica da loba com Rómulo e Remo.


Sicília (Panormos) – Asse, cerca de 120 a.C..
Anv. Cabeças opostas de Jano.
Rev. Loba a amamentar Rómulo e Remo, P TE..
(Panormos: nome grego antigo de Palermo)

Num follis de Maxêncio do início do século IV d.C., Rómulo e Remo aparecem juntamento com os Dióscuros (Castor e Pólux): mais uma composição tradicional e muito antiga em moedas romanas.


  
Maxêncio-Follis cunhado em Óstia, 309.
Anv. Busto de Maxêncio laureado à direita,
IMP C MAXENTIVS P F AVG.
Rev. Os Dióscuros de frente, no centro a loba e os gémeos.
AETERNITAS AVG N HOSTT.

É sobre a forma de uma estátua que o símbolo de Roma também foi representado num follis de Maxêncio, onde a loba e os gémeos ornamentam o frontão dum templo tetrástico, no interior do qual a alegória de Roma dá um globo a Maxêncio.


 
Maxêncio-Follis cunhado em Roma, 306-312.
Anv. Busto de Maxêncio laureado à direita,
IMP C MAXENTIVS P F AVG.
Rev. Templo tetrástico: no interior a alegória de Roma
a dar um globo ao imperador, CONSERV VRB SVAE AQP.
No frontão: a loba  e os gémeos.

As imagens da fundação de Roma nas moedas desde as suas origens até ao  século IV d.C., sem serem muito frequentes são diversas.
A imagem da loba com Rómulo e Remo é a mais representada, e podemo-nos interrogar sobre as razões que levaram à emissão destas moedas e, quais foram as fontes de inspiração dos gravadores de cunhos.

Estas alusões às origens de Roma, foi provavelmente a intenção de apresentar uma iconografia que caracterize bem a Cidade Eterna, por isso os gémeos foram objeto de muitas emissões monetárias.
Contudo, este tema continua a ser muito marginal na numária romana antiga, porque durante o período da República, a imagem de Jano ou a cavalgada dos Dióscuros foi representada com mais frequência que a lendária fundação de Roma.

Ainda que tipicamente romano, o tema com Rómulo e Remo também aparece em cunhagens provinciais romanas. Uma possível probalidade das cidades emissoras evidenciarem seja as suas origens romanas, ou o seu compromisso com Roma.


Laodiceia (ou Lataquia) Síria.
Macrino AE 27 cunhado em Laodiceia, 217-218.
Anv. Busto de Macrino laureado à direita,
IMP C M OP SEVE MACRINOS AVG.
Rev. Loba a amamentar Rómulo e Remo,
ROMAE FEL.


Alexandrie de Troade- AE 28, II ou III século d.C..
Anv. Busto da Niké coroado e drapeado à direita,
AV GO TRO.
Rev. Loba a amamentar Rómulo e Remo,
COLOGV TRO.
(Niké ou Nice: deusa grega que personificava a Vitória).


Antioquia da Pisídia
Gordiano III- AE 35 cunhado entre  238-244
Anv. Busto de Gordiano laureado e drapeado à direita,
IMP CAES M ANT GORDIANVS AVG.
Rev. Loba a amamentar Rómulo e Remo,
CAES ANTIOCH COL SR.

Rómulo e Remo enquanto símbolo de Roma, também foram utilizados por Constantino I no século IV, para comemorar a fundação de Constantinopla, “Nova Roma” em emissões monetárias que celebram a antiga e a nova capital do Império.


Constantino I-Follis ou Numos, cunhado na Siscia, 334-335.
Anv. Busto de Constantino com capacete e drapeado à esquerda,
URBS ROMA.
Rev. Loba a amamentar Rómulo e Remo, duas estrelas,
(referência às duas cidades ) ISIS.
(Emissão comemorativa da transferência da capital para constantinopla).

De um modo geral, a imagem das origens de Roma marca perfeitamente um laço com o passado, em que o mito desempenha plenamente o seu papel e constitui um marco no tempo.
Filipe I representou-o numa moeda aquando dos Jogos Seculares.


Filipe I-Antoniniano cunhado em Roma, 248.
Anv. Busto de Filipe com coroa radiada e drapeado à direita,
IMP PHILIPVS AVG.
Rev. Loba a amamentar Rómulo e Remo,
SAECULARES AVGG   II.

No fim do século III início do IV, a recordação das origens nomeadamente por Probo e Maxêncio não deixam dúvidas num período particularmente perturbado, em que é necessário recordar os marcos históricos que na realidade são mitológicos.


Probo- Antoniniano cunhado na Siscia em 280.
Anv. Busto de Probo com couraça e coroa radiada à direita,
IMP C PROBVS PF AVG.
Rev. Loba a amamentar Rómulo e Remo,
ORIGINI AVG XXIT.

Estes temas ilustrados, nomeadamente a loba a aleitar Rómulo e Remo, tranquilizam o povo numa época em que o Império conhece grandes agitações militares, políticas e culturais.


Maxêncio-Argênteo cunhado em Roma, 307-310.
Anv. Busto de Maxêncio de frente, com barba e drapeado,
MAXENTIVS FELICITAS AVG N PH.
Rev. Loba a amamentar Rómulo e Remo,
TEMPORVM FELICITAS AVG PH.

A iconografia monetária do tipo das origens terá tido diferentes fontes.
Antes de alguns autores o escreverem o mito era oral, e os gravadores de cunhos particularmente durante o período da República, representaram nas moedas a versão do mito do qual eles tinham conhecimento.
As imagens criadas por eles são por isso difícies de interpretar.
Tal como na literatura, o mito caracterizado nas moedas também não apresenta uma única versão.


Roma-Didracma anónimo, 296-266 a.C..
Anv. Busto de Hércules com diadema à direita.
Rev. Loba a amamentar Rómulo e Remo,  ROMAN.
(Raríssima com os gémeos nesta posição:
um com o joelho no chão, o outro em pé).

A estatuaria também terá tido um papel muito importante.
Não muito longe da Figueira Ruminal, uma estátua de Rómulo e Remo a serem aleitados pela loba foi erigida no ano 296 a.C., e é provável que tenha influenciado os gravadores dos cunhos que representam a loba e os gémeos.


Bronze etrusco. Loba a amamentar Rómulo e Remo.

Este mito das origens de Roma desapareceu da numária romana no século IV d.C..
Portanto naquela época, esta lenda ainda estava bem ancorada nas crenças do povo.
Quase no fim do século IV, o talentuoso autor da História Augusta por ter grande conhecimento literário, citou muitas vezes Rómulo e Remo.

Neste caso porque motivo deixou de se representar este mito nas moedas?
Duas razões principais explicam este eclipse definitivo de Rómulo e Remo como tema monetário.


Constantino I-Follis ou Numos, cunhado em Constantinopla, 330-340.
Anv. Busto de Constantinopla com capacete e drapeado, com um cetro ao ombro,
CONSTAN  TINOPOLIS.
Rev. Vitória sobre a proa dum navio, com as asas abertas e um cetro,
apoiada num escudo e cristograma.
(Emissão comemorativa da transferência da capital para Constantinopla).

A fundação de Constantinopla (Nova Roma) e a adoção do cristianismo por Constantino, provocou a perda da influência política de Roma e, ao mesmo tempo consequência lógica da sua mitologia.
Por outro lado o mito de Roma de origem pagã, não se pode misturar com a nova religião oficial. 
O "cristianismo".

MGeada

Bibliografia
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Manuel Félix Geada Sousa ; História dos Monumentos Romanos Contada Através das Moedas- Edição Alma Azul, Coimbra/Castelo Branco, julho 2006.
Martin, Thomas R. ; Roma Antiga de Rómulo a Justiniano. L & PM editores
Pierre Grimal ; L’Histoire de Rome : outubro 2003.
Pierre Grimal ; Dictionaire de la Mythologie Grecque e Romaine : setembro 1999.
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Pierre Grimal ; L’Empire Romain : outubro 1993.
(Qui sais-je ?, 216) ; Les Origines de Rome, Paris, 1973, 
Tive Live ; Histoire Romaine I- Les Origines de Rome, Édition de Dominique Briquel-22-11-2007.