quinta-feira, 25 de outubro de 2012

JUBA II E CLEÓPATRA SELENE



JUBA II  E  CLEÓPATRA SELENE

    Se fossem nossos contemporâneos, Juba II  e sua esposa Cleópatra Selene, (deusa da lua na mitologia grega), teriam tudo para agradar aos mais exigentes jornais e revistas  especializados na  jet-set. (A elite da elite).
   Filhos de pais coroados  que na sua época também foram alvo de crónicas da sociedade e políticas; cresceram e foram educados  juntos no palácio do Imperador Augusto.
    Juba II é filho de Juba I rei da Numídia, que foi vencido por Roma em Thapsus(hoje Rass Dimass na Tunísia), no ano 46 a.C.. Ele e Cleópatra Selene (por vezes também apelidada de Cleopatra VIII), filha de Cleopatra VII e do triunvirado Marco António, conviveram juntos  desde crianças, quando então foram adoptados por Octávia, irmã do futuro imperador romano Augusto.
   Os seus destinos reunia-os em tantas coisas que, a sua união(casamento)ainda que não fosse imposto  por Roma, já parecia inevitável.
   Estes dois príncipes: eram orfãos de pais combatidos e vencidos por Roma, num momento em que  o seu poder era contestado por alguns reinos emergentes.
    Juba I, fez aliança com os Pompeios para combater César: vencidos, suicidou-se depois da derrota.
    Ceópatra VII e Marco António, pais de Cleópatra Selene, também se suicidaram quando a sua tentativa de reinar no Egipto dissociando-se de Roma fracassou.
     O Império que não lhes guardou rancor, não só poupou a vida aos seus filhos, como também suportou a sua educação, preparando-os ao mesmo tempo para reis vassalos.
     O casamento de Juba II e Cleópatra no ano 19 a.C., ainda os aproximou mais devido ao fato de terem em comum a mesma atração pelas artes e letras, e ambos preferirem a cultura helénica à latina.
     A cultura grega muito popular no Império Romano, era um sinal de qualidade e elegância.
     Para Cleópatra Selene isso significava sem dúvida muito mais, porque fazia parte do património familiar.
    Como descedente de um general de Alexandre o Grande, ela pertence à Dinastia Lágida que deu ao Egíto os últimos faraós de origem greco-egípcia: os Ptolemeus.
    A sua célebre mãe Cleópatra instalada em Roma antes de assumir o poder na terra dos faraós, já era conhecida por estar sempre rodeada de grandes filósofos, poetas e artistas.
   A futura rainha do Egipto, acariciava então o sonho de criar um grande império, reunindo as melhores tradições da Bacia do Mediterrâneo: a filosofia grega, a tradição do comércio fenício e, a rica cultura egípcia-africana.
   Desse sonho, a sua filha Cleópatra Selene tornou-se uma verdadeira executora testamentária, quando ao lado do seu esposo, reinou desde a idade de  vinte anos na província da Mauritânia, oferecida por Augusto a Juba II, no ano 25 a.C., com a missão de acalmar os seus sujeitos considerados turbulentos, e expandir os costumes latinos.
    Cleópatra mandou cunhar moedas com símbolos religiosos egípcios  e com alguns animais que eram venerados pelos sujeitos do faraó.
    A capitale da província era IOL(actuale Cherchell ou Cherchel – Argélia), que o seu esposo mais tarde chamou Cesareia em honra do seu bem feitor. Rodeou-se de sábios, artistas, atores famosos e teve por médico o grego Euphorbe.
    A cidade tinha muitas estátuas, (uma das mais belas coleções que hoje se encontra no museu de Chercell), e mandou edificar belos edifícios  de arquitectura clássica, alguns deles representados nas suas moedas.
    Juba II, ele mesmo escritor, tornou-se o autor de uma grande coleção de escritos, entre eles, alguns enciclopédicos ou anedóticos.
    De Juba II, citado muitas vezes por autores gregos e latinos, ainda não se encontrou nehuma das  suas obras.
    Foi dos seus documentos que Plínio o Antigo, tirou grande parte dos seus conhecimentos em botânica, zoologia e geografia.
    Também Plutarco teve recurso aos seus documentos para tirar informações sobre antiguidades romanas.
    Juba II escrevia em grego e tinha uma grande paixão pela cultura desse país, pela qual os gregos o recompensaram mandando erigir uma estátua frente à academia de Ptolomeu .
    Cleópatra Selene faleceu por volta do ano 5 ou 6 da nossa era. Juba II, ainda viveu mais dezoito anos e, apesar de ter acompanhado César neto de Augusto,  ter casado com  Glafira, filha do rei de Capadócia e, viúva de um filho de Heródes rei da Judeia; ele optou por não a levar com ele para Iol, Cesareia.
    Talvez o seu amor por Cleópatra não suportasse a presença de uma rival, num território que a sua primeira esposa marcou profundamente com a sua influência.
    Até a última morada que se atribuíu ao real casal, um mausolée que encima uma colina no sul da cidade na estrada de Tipassa, tem a marca de Cleópatra.
     Este monumento de estilo africano com elementos decorativos  do mundo helénico, ainda não revelou todos os seus segredos sobre a família real mauritana ou númida, ali sepultada.
     Mas tudo leva a crer que foi erigida por Juba II em homenagem à sua bem amada Cleópatra Selene.
     O reinado de Juba II durou quase meio século. O casal teve um filho, Ptolemeu, que pouco despertou a atenção dos historiadores. Apenas sabemos  que foi morto pelo seu sobrinho Calígula em Roma no ano 40, tendo então a Mauritânia sido anexada por Roma.

Juba II e Cleópatra Selene
Denário cunhado em Cesareia (data incerta)
Anv. Busto de Juba com diadema à direita, BEX IVBA;
Rev. Busto de Cleópatra com diadema à direita, BACILICCA CLEOPATRA

Juba II e Cleópatra Selene
Denário cunhado em Cesareia 16/17 a.C..
Anv. Busto de Juba com diadema à direita, REX IVBA
Rev. Crescente de lua, símbolo de Isis e duas espigas, BACILICCA CLEOPATRA

Juba II e Cleópatra Selene
Denário cunhado em Cesareia entre  19 e 6 a.C..
Anv. Busto de Juba com diadema à direita, REX IVBA;
Rev. Crocodilo à esquerda, BACILICCA  CLEOPATRA

Juba II e Cleópatra Selene.
Denário cunhado em Cesareia, 20 a.C. - 20 d.C..
Anv. Busto de Juba com diadema à direita. REX IVBA
Rev. Estrela com seis pontas e crescente. BACILICCA . CLEOPATRA

Juba II e Cleópatra Selene
Denário cunhado em Cesareia 20 a.C.- 20d.C..
Anv. Busto de Juba II  com diadema à direita, REX IVBA
Rev. Busto da África drapeado, com a pele de leão na cabeça, à direita e dois dardos.

Juba II e Cleópatra Selene
Denário cunhado em Cesareia 25-23 a.C..
Busto de Juba com diadema à direita , REX IVBA.
Rev. Símbolo de Isis, sistro, BACILICCA  CLEOPATRA

Juba II e Cleópatra Selene
Denário cunhado em Cesareia no ano 36 d.C..
Anv. Cabeça de Juba com a pele de leão, REX IVBA.
Rev. Cornucópia, tridente, XXXVI
(A representação de Juba II em Hércules em moedas é relativamente rara).

Juba II e Cleópatra Selene
Denário cunhado em Cesareia no ano 36 d.C..
Anv. Cabeça de Juba com a pele de leão, REX IVBA.
Rev. Golfinho à esquerda, coroa de flores, XXXVI.


M. Geada  



Bibliografia



Stéphane Gsell ; Cherchel, antique Iol-Caesarea, Argel 1952.

Mounir Bouchenaki ; Le Mausolée Royal de Maurétanie, Argel 1979.

Artigos de Simon Bourhim ; Facebook





quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A MOEDA,  TESTEMUNHO DA HISTÓRIA

    Moulay Sulayman   

    Quando apanhamos o vírus do coleccionismo, as questões que emergem sobre datas, personagens, ou  a decoração das peças, trazem-nos constantemente de regresso à história.
    Para tratar este assunto vou servir-me de uma questão que tem a vantagem de nos fazer viajar no espaço e  no tempo, o que permite fazer a ligação com os nossos campos de interesses.
   Porquê o aparecimento do Sêlo de Salomão  nas moedas de bronze do rei marroquino Moulay Sulayman 1206-1238 H(1792-1822), ?
     Para começar, penso que vale a pena assinalar que na cultura árabe, o valor que é dado ás moedas de ouro, de prata ou bronze, não é comparavel ao que lhes é atribuído no mundo ocidental, que estabelece a base do seu valor quase exclusivamente na nobreza do  metal.
   Nos países árabes, as moedas de ouro ocupam um lugar de destaque nos dotes e grandes transações, enquanto as de bronze são consideradas como um metal pouco nobre.   
   No início do reinado de Moulay Sulayman, a situação económica e financeira do país era tão desastrosa, que era práticamente impossível, ao sultão, produzir moedas de prata para as suas transações devido à indisponibilidade de metais preciosos.
   Ao mesmo tempo que permitia a livre circulação das moedas de prata europeias, Moulay Sulayman, teve a brilhante ideia de substituir o dirham, moeda de prata do país, por uma de bronze marcada com o Sêlo de Salomão no anverso e, por vezes nas duas faces da moeda.
  Chamadas  “Fels Slimane”, (Fels Moulay Sulaymam) essas moedas têm uma figura hexagonal em forma de estrela, formada por dois triângulos equiláteros entrecruzados, com um ponto no centro.

 
4 Fels N.D.(Hégira, 1206-1238), 30mm bronze, sem marca de ateliê, (KM 103)
   
Como é que um simples  símbolo consegue  que a população aceite uma moeda cunhada com um metal  pouco prestigiado?
   Claro que  podemos avançar com a hipótese que foi o Sêlo de Salomão, agora marca do sultão Moulay Sulayman, a causa desta aceitação. É possível, mas os historiadores pensam não ser esta, uma razão suficiente para explicar a reacção positiva da população.
    De notar qua a utilização do Sêlo de Salomão no fels de bronze, foi sempre aprovada pelo povo e durou mais de 100 anos. Só no ano  1310 H, numa tentativa de modernizar a aparência das moedas, é que o Sêlo de Salomão foi substituído, o que deu origem ao descontentamento da população.
   A figura hexagonal era originariamente um escudo feito com duas peles unidas com um rebite de bronze, o que  segundo a  filosofia antiga e medieval, reúne num só símbolo os quatro elementos naturais : fogo, água, ar e terra.
   Como sinal mágico, ele actua como medida preventiva; como um escudo protector. Além disso o seu efeito é reforçado pelo facto de também representar um par de olhos convencionais; uma proteção contra o mau olhado, um poder mágico e um direito.

  
3 Fels N.D. (Hégira, 1206-1238), 25mm bronze sem marca de ateliê, (KM 99.2)

    Temos então nas moedas de bronze do sultão Moulay Sulayman um Sêlo de Salomão que serve de mensageiro ao sultão e, ao mesmo tempo é um sinal de proteção.
    A sua forma particular, com um ponto ao centro que representa um olho, é exclusiva para as moedas de bronze, porque este é considerado um metal pobre extraído das minas e do fogo da fundição, lugares que são frequentados por espíritos malignos e caracterizados por um odor particularmente desagrádavel, que lhe valeu o apelido “del-muntin” (o malcheiroso).
   Com este sinal (o ponto no centro), o metal perde os malefícios da sua origem para passar a ser um objecto benéfico.
   Podemos reconhecer em tudo isto a tenacidade que subsiste das crenças pagãs,  que não são únicamente exclusivas ao Ocidente Muçulmano.
   Moulay Sulayman teve uma excelente  ideia ao introduzir nas moedas de bronze o Sêlo de Salomão. A população,  há mais de vinte anos privada de moedas de prata cunhadas em Marrocos, aceitou-as sem contestar.
   As transações eram feitas com moedas europeias de prata, e com os famosos fels marcados com o Sêlo de Salomão. Esta estratégia salvou Marrocos da crise e, permitiu a estabilização da moeda de prata que tinha perdido 20% do seu valor e  a sobrevivência do comércio externo e interno.
   Aos poucos o dinheiro entrou nos cofres do Estado, o que permitiu ao sucessor  de Moulay Sulayman cunhar novamente moedas de prata. 


1 Fels A.D. Hégira,,1211(1796), 22 mm Bronze, cunhado em Fez,(KM 99.5)
  
   Esta página de história marroquina  sobre  as moedas de bronze cunhadas durante o reinado de Moulay Sulayman, é simplesmente um exemplo de como a moeda é um reflexo da história dos povos.
  O calendário muçulmano começou no ano 622 d. C., o ano da Hégira (fuga de Maomé de Meca para Medina).

M. Geada

BIBLIOGRAFIA

KRAUSE; Mishler(KM)  - Standard Catalog of World Coins
(1) EUSTACHE;  Daniel - Corpus des Monnaies Alawites . Banque du Maroc, 1984